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Palavras sobre A Cabeça do Santo, de Socorro Acioli

Atualizado: 18 de mar.

para aqueles que já experienciaram a leitura




Sinto, profundamente, que preciso escrever antes de iniciar a próxima leitura.



Fechei o livro com encantamento na boca.

Entupida de fé, embriagada de amor e acreditando - mais ainda - na vivacidade da palavra.


Por entre as páginas, palavras-escorregas. Palavras que deslizam nossos olhos para a próxima, a próxima, próxima (...), e por aí vai…


Em cada pedaço, a fé.

Fé sem medo. Escancarada. Latente em cada vírgula.

Fé que borbulha nos verbos e dá as rédeas para a jornada de Samuel.



Um corpo revestido de lembrança


Por hora, pouso na relação mãe e filho - Mariinha e Samuel.


Os passos do filho foram acompanhados do amor pela mãe -

nutridos pela lembrança e pela fé, que Mariinha emprestava a ele.


As memórias guiavam as solas dos pés que caminhavam sem firmeza.

A sempre presente mãe, o vazio pai e a nunca vista avó.


Foram os quatro pedidos da mãe que sustentavam o corpo magro do filho: acender uma vela no santuário de Padre Cícero, na estátua de São Francisco e Santo Antônio, todas aos pés de cada santo, e procurar Niceia Rocha Vale e Manoel Vale, a avó e o pai na cidade de Candeia.


Imagino Mariinha assim:

uma senhora baixa,

mãos macias, como contado por Samuel,

olhos fundos de muita vida,

voz doce,

bondade nas palavras,

e talvez, um coração maior que o corpo.


Penso em voz alta, olhando para a janela entreaberta do quarto:

O que pode a palavra de uma mãe?

A fé de um filho?

A escuta de um filho às palavras-rotas da mãe?


A travessia de Samuel rumo às palavras ditas por Mariinha.

Uma rota com força misteriosa, que Samuel não sabe onde o levará,

mas caminha, fielmente, confiando, eternamente, na palavra-mãe.



A solidão às vezes me dói da cabeça aos pés

Conceição Evaristo em Canção para ninar menino grande











De forasteiro a mensageiro dos recados do céu,

Samuel percorreu a rota a fim de realizar os pedidos de Mariinha.


No caminho, esbarramos com o compromisso com a fé, a dor rasgada de um coração vazio, o grandioso desejo por amor, o encanto das vozes escutadas na cabeça do santo, a necessidade do dinheiro, o ódio de uma mulher traída, a sobrevivência de um pai quase morto, casamentos milagrosos, o canto sagrado, a morada no santo, a acolhida e cuidado de amigos… e a solidão.


O amor que Samuel recebeu da família de Chico transbordava até o limite de onde a solidão penetrava. Percebeu o esvaziamento que trazia no peito. O passado irrecuperável tocado no vazio da eterna ausência. Falta de amor, colo quente e uma família sua. Saudades do amor-casa.


Aprendera tanto sobre amor com Mariinha que a sua ausência demarcava a falta dele.


O que pode a Voz do amor que Canta?



A cabeça faz eco no corpo









Pai e filho fizeram casa no mesmo corpo-santo.

Manoel vivia no corpo.

Samuel na cabeça.

Separados.

Na construção da estátua, não foi possível colar as partes.

A metros de distância, residiam repartidos: a cabeça e o corpo.


Pai e filho.

Corpo criado longe do corpo.


Corpo do santo sem cabeça.

Cabeça do santo sem corpo.

Filho sem pai.

Pai distante do filho.


A sua forma, a fantasia misturou-se com a matéria,

que manifestava a distância entre corpos planejados a viverem próximos.



É preciso ouvir o Canto.


Voz com V maiúsculo.

Canto com C maiúsculo.


Há algo de belo na busca da Voz que Canta.

O desejo de vida.

A Voz Canta pela memória e esperança.


Rosário, a guardiã das belezas ancestrais.

A rota e a redescoberta ao amor.


Assim como as mulheres rezadeiras,

o mensageiro do santo também busca "a única força que dissolve e recria o tempo", o amor.


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